Texts

Art, technology and history
Carlos Seabra, 2008

With technological progress new formal possibilities appear for art to explore, but after developing specific aspects of each new form the same old questions are found. This evolution is propelled by science, which creates new technology, and not by artists themselves. Concern about the formal aspects of artistic activity seems natural in a field so sensitive to social transformation. Form is a manifestation of technology, technology is a fundamental object and cause of change in post-industrial society. Art as a meta-scientific sensor of contemporary history.

Art dealing with computers, the internet, biotechnology, nanotechnology, artificial intelligence, to name a few new possibilities, will be accused of sterility in the future, when even newer technologies appear, much like painting has been, on and off, in the past. Artistic activity should then be judged not by its ability to innovate form or support (be it an installation, a Green Fluorescent Protein transgenic rabbit, a software program, or a bit of paper and carbon) but by particular characteristics of the artist and the way he faces some basic questions of his society.

The present standing given to the conceptual dimension of each work bothers me just because it seems to ignore that in the past artists have always done so. Contemporary painters are not the first to try to create images with meaning in their world, and at the same time meet the challenges of representation, and in fact they do not do so in a fundamentally different way from Rembrandt, Goya, Courbet, Matisse, Malevich, Picasso, de Kooning,Rothko, Tapies, or any other master. What to paint? In spite of these conceptual intentions that disguise them, options are few. One can paint abstract images, and use geometry, gesture, random or predetermined processes, explore with materials, or use reality, painting people, the life of people, things people make (including signs), other living things (including plants, insects and virus), and the landscape, which is what you see when you look in a particular direction. You can mix all this as you like, do it all at once, or not.

Ancient forms persist. The evolution of media is not continuous but subject to periodical revolutions. Each form is not equivalent to others, each has its specific attributes. New forms widen the field of artistic intervention. Extinction comes with inadequacy to offer something to someone somewhere now. Painting seems especially adaptable, but no longer dominates the ecosystem. Of course the choice of form is meaningful, and that by operating over the universe of available technology at a given moment and place it is relevant in any critical evaluation. However other aspects are at least as important. Content precedes form dialectically and is always historical, even when it’s not literal or seems absent. Any work is an idea. No idea is original. Ideas are promiscuous.

So there is no reason not to paint

Maybe the significance of painting is diminishing if linked with popularity: this criterion makes cinema, television, pop music, or pc games more important. If in the past art was funded by the dominant classes and served their interests (the aristocracy and clergy of feudal society, or the collector barons of bourgeois society), its massification, or the massification of its inventions propelled by advertising, represents the present dominance of global capitalism.

These procedures work within the logic of the market economy, in a world evermore asymmetrical. Public and private collectors still exist, and continue to support, precisely because of that asymmetry, unpopular but not less economically significant art forms. The neo-liberal message found in Artforum and The Economist is not that different. A mercantile circuit anchored at the core of post-industrial empires [USA, Europe (particularly Germany, UK, and France), Japan)] and in new loci of industrialization (China, Southeast Asia) justifies the biased national distribution of successful artists, galleries, curators, biennales, and museums, that parallels the distribution of wealth. The acquisitive power of these minority elite is equivalent to the one of entire populations, several orders of magnitude more numerous but without the individual capacity to participate in this market, and explains that unpopular and incomprehensible (at least to the masses) art, still has a disproportionate commercial value in relation to the number of its consumers. What about its historical significance?

Its non egalitarian origin has no relevance in a strictly creative assessment, which is independent of any political context. But art is precisely more powerful when is capable of revealing these paradoxes and contradictions (Luigi Nono, musician). On the other hand consumer tourism of contemporary art museums is a recent and unquestionably popular phenomenon that seems to contradict art’s oligarchic relations. Maybe in the end contemporary art is something like sacred art in this sense: financed and acquired in the first instance by the elites, absorbed randomly and incidentally by common people in a ritual process, now bare of any celebration.


A pintura como ecologia e como resistência
Hélder Dias • 2013
Cada época requer de cada um do nós um determinado regime perceptivo. Na actualidade, a nossa percepção é dominada por uma palavra: a atenção (Crary, 2001). Nem sempre foi assim. Podemos mesmo afirmar que a generalização deste centramento da percepção em torno da atenção foi uma das mais importantes transformações da modernidade.
Paralelamente, a percepção viu-se aparelhada por diversos dispositivos e cada vez mas interligada com mecanismos computacionais. Ela própria, inspirou inúmeras experiências que procuravam simular computacionalmente cada uma das suas funções. Ninguém estranha a expressão computer vision porque damos como adquirida a contaminação entre sujeitos e objectos, no que toca a regimes perceptivos.
Todas estas mudanças transformaram a forma como vemos o Mundo e a janela que enquadra essa nossa visão. Uma das consequências dessa união entre atenção e computação é que, frequentemente, esperam de nós um tipo de olhar que se aproxima mais do scanning do que da visão no seu sentido mais enriquecido. Esta forma de agir não é nova e os primórdios da industrialização exigiam dos operadores algo semelhante. O curioso é que, ao substituirmos os operadores por dispositivos computacionais capazes de detectar o erro numa determinada peça, criamos condições para que, mais tarde, esse modo de observar se deslocasse para outras situações. Tomemos como exemplo as redes sociais e a forma como elas desenham para nós um contexto perceptivo que se aproxima daquele que se vivia nas primeiras linhas de montagem. Desta vez o scanning não tem como objecto o erro mas sim a novidade e o impacto. As correntes de informação digital, os flowsque se constituem como uma promessa interminável de que algo interessante está para vir, implicam uma atenção light mas constante. Atento ao que está perante mim mas também já a antecipar o que está para vir.
Resumindo, muitas das nossas interacções culturais mediadas por dispositivos digitais produzem um observador-scanner em busca de padrões de interesse acrescido ou, se preferirmos, de memes mais aptos à sobrevivência.
Toda uma segunda parte podia ser escrita sob a forma como estas atenções particulares podem depois ser convertidas em valor e agenciadas enquanto produto mas o nosso objectivo é determo-nos sobre uma prática em particular que serve de contraponto a esse operariado da atenção (Stiegler, 2010): a pintura.
A pintura já morreu e já ressuscitou. Várias vezes. No entanto, mais do que analisar o porquê dessas intermitências, interessa-nos encará-la como um nicho ecológico. A sua prática e a sua fruição desenham uma experiência radicalmente diferente de quase tudo aquilo que nos rodeia. A temporalidade não se constrói como o fluxo informacional, imparável e em constante anulação. O modelo de temporalidade da pintura é o da sucessão acumulativa. Trata-se de uma alteração desconfortável porque existe algo de aditivo no facto dos fluxos nos massajarem os neurónios. A passividade associada a pequenas recompensas açucaradas induzem a percepção numa situação de dormência que nada tem a ver com o enquadramento proposto pela pintura. Na pintura não existem fluxos mas sim caminhos, escolhas, trocas, conjugações. Numa palavra, atrito.
Mas o problema não é apenas ecológico. A pintura não se limita a ser esse reduto de uma outra forma de ver e de estar com o Mundo. Ao recusar esse regime assalariado da atenção, a pintura também assume uma dimensão política. Numa época em que nada parece escapar à privatização e à correspondente conversão em produto negociável, existe algo de politicamente subversivo em ver e dar a ver pintura. É uma atenção bem desperdiçada que não é facilmente integrável nas inúmeras métricas que analisam os observadores. Neste espaço de resistência não se conseguem contabilizar os clicks nem estabelecer um rating para determinadas partes do quadro.
Como se não bastasse o simples facto de pintar e de nos desenhar estas experiências estranhas para a nossa percepção moldada informacionalmente, Carlos Seabra ainda produz um fechamento especular que nos devolve e relembra, dentro de cada trabalho, esse desconforto. Sim, porque Ler e caminhar sobre a águareplica a estranheza das percepções, das leituras.
A leitura e em particular a individualizada, já nos havia atirado para processos mais complexos de produção do sentido. Ler um livro é sinónimo de construir uma teia entre o que somos e o que já lemos.
Também o acto de caminhar é essencial em vários momentos para a reflexão sobre as modalidades da percepção. Entre o flâneur e o situacionista, desenham-se caminhos para um acolher activo do Mundo volátil, mas ainda localizado num modo de ser sujeito.
Por tudo isto, observar estas pinturas constitui uma experiência semelhante a vermo-nos ao espelho. Cada uma das figuras aqui retratadas está a fazer o mesmo que nós. Lendo, andando, observando, de forma solitária e com os pés na água.


Bibliografia

Crary, J. (2001). Suspensions of Perception: Attention, Spectacle, and Modern Culture. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.


Stiegler, B. (2010). Economy, For a New Critique of Political Economy. Cambridge: Polity Press.